sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Barra: Perguntas e respostas com Dom Frei Luiz Cappio - O maior defensor do rio São Francisco




DomfreiLuisFlavioCappio


 


Confira na íntegra a entrevista publicada na versão impressa da Revista Barra Magazine, “edição 06 – Janeiro/2016” com  Dom Luiz Flavio Cappio, Bispo Diocesano de Barra no oeste da Bahia e grande defensor do rio São Francisco.


 


Dom Luiz, a exatos um ano atrás realizávamos com o senhor uma grande reportagem sobre o Rio São Francisco. Em um ano, qual a analise que o senhor faz sobre a atual  situação do Velho Chico?


Em um ano muito se falou e se tem falado sobre o Rio São Francisco. Muitas lágrimas derramadas, muitas lamentações, muitos artigos em jornais, muito falatório estéril. Mas de concreto quase nada se tem feito no sentido de uma preocupação séria a respeito da vida do Velho Chico. O rio continua numa situação deplorável, cada vez mais carente de tudo o que diz respeito à sua vida. Apenas algumas iniciativas localizadas e de pequeno alcance. A nível governamental apenas uma esperança que vou desenvolver como resposta à 2º pergunta.


Existiram melhorias no cuidado com o rio (revitalização, saneamento, assoreamento, represas, transposição ) por parte do Governo Federal ? Se positivo, quais o senhor poderia elencar?


A nível de Governo Federal vejo apenas a iniciativa do Senador Otto Alencar a respeito da PEC sobre a Revitalização do Rio São Francisco em disponibilizar R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais) na criação do que eles chamam de “Fábricas de Mudas” que são viveiros de mudas para serem plantadas nas fontes abastecedoras da calha principal e afluentes do Rio São Francisco, como também na reconstituição das matas ciliares. Esta iniciativa é a primeira de médio porte que conheço e que esperamos que seja levada a sério e realizada a contento.


Em sua visão, quais seriam os pontos mais críticos que deveriam ter maior atenção por parte do governo? Quais deficiências podem ser observadas?


São várias as ações que devem urgentemente serem levadas a sério no que diz respeito a Revitalização do Rio São Francisco. Algumas delas já vem sendo realizadas, como disse, como experiências localizadas. Mas deveria ser uma maneira geral de se proceder para a Revitalização do Rio São Francisco e toda a sua bacia.


  1. Reconstituição das nascentes abastecedoras da bacia, a partir do mapeamento de todas elas, do diagnóstico a respeito da situação de cada uma delas e investimento seguro para sua reconstituição. Esta iniciativa precisa ter o apoio de recursos governamentais e geridos pela CODEVASF que tem esta missão principal.

Algumas experiências aqui, ali e acolá vem sendo feitas, mas isoladamente. Isso deve ser uma maneira de se proceder como um todo para com o Rio. A Natureza é pródiga. Tudo o que se faz no sentido de se reconstituir sua vida, ela responde satisfatoriamente.


  1. Saneamento Básico levado a sério. Tivemos há algum tempo atrás, e todos nós lembramos disso, um grande projeto  do Ministério da Integração Nacional, para o saneamento das cidades beradeiras. Sabemos, com tristeza como aqueles imensos recursos foram mal geridos e  desperdiçados.  Quase nada foi realizado, o que poderia ter sido um verdadeiro saneamento de nossos esgotos que caem “in natura” diretamente na calha do rio.

  2. Rever toda a política de outorgas de água para Projetos de Irrigação que sejam condizentes às reais disponibilidades dos rios da bacia. Uma fiscalização séria dessas outorgas para que não se tornem clientelismo político de grupos empresariais.

  3. Moratória do Cerrado – urgente e levada a sério. É impossível continuar a destruição dos cerrados que se constituem no Bioma mais importante para a preservação de toda a bacia sanfranciscana.


A corrupção que assola o país também chegou à Transposição do Rio São Francisco. Duzentos milhões de reais foram desviados da obra que promete matar a sede do nordestino, o que o senhor pensa sobre isso?


Há exatamente 10 anos fiz o primeiro jejum de 11 dias e há 8 anos o segundo jejum de 24 dias. Naquela ocasião já dizia com todas as letras o que hoje sabemos oficialmente. Pena que na época não acreditaram no que dizia. Senti-me com João Batista pregando no deserto às pedras e às areias. Mas o tempo, pai da verdade, mostra todas as coisas como elas são. Agora a verdade apareceu.



Como o senhor enxerga o crescimento do agronegócio nas margens do Rio São Francisco, e da intenção dos governantes em transformar as terras barrenses em polos da agroindústria ?


Existem duas maneiras de se trabalhar a terra e de se produzir mantimentos:


  1. Agricultura Familiar, que privilegia a produção em escala de consumo familiar e comunitário. Ali se produz tudo o que se necessita para a vida das pessoas, famílias e comunidades. É a Agricultura Familiar que põe a mesa em que o povo come e garante o sustento das famílias (arroz, feijão, mandioca, legumes, frutas em geral, hortaliças, etc.).

  2. Agroindústria, que privilegia a produção de alguns produtos em grande escala para a indústria e o comercio internacional de grãos. São cultivados produtos que serão industrializados e comercializados para o exterior (soja, algodão, milho, etc.).

 


Todas as duas formas tem a sua importância e sua necessidade. O que precisamos é o equilíbrio entre as duas maneiras de trabalhar a terra e produzir mantimentos. Precisamos garantir a Agricultura Familiar para a sobrevivência das famílias e a produção de alimentos que vamos consumir em nossa mesa. Para isso uma verdadeira Reforma Agrária se faz necessário para garantir a terra para nela se trabalhar e cultivar.


Precisamos incentivar a Agricultura em alta escala que chamamos de agronegócio, pois ela produz divisas, altos investimentos em maquinário, tecnologia avançada. O Brasil dispõe de grandes áreas que se prestam para este tipo de agricultura, como também a bacia do São Francisco.


Mas precisamos tomar alguns cuidados, a saber:


  1. Respeito pelas leis ambientais, no que diz respeito à preservação de áreas de manejo, preservação de fontes e nascentes e suas matas ciliares. Não se pode desmatar tudo em nome da economia. A economia está a serviço da vida. Jamais a vida pode se submeter aos interesses econômicos.

  2. Cuidado no uso de defensivos agrícolas e agrotóxicos. Sabemos que muitos que são utilizados em nossas lavouras são proibidos em outros países.

  3. Muito cuidado na obtenção da água, principalmente nas lavouras que exigem irrigação. As outorgas devem ser de acordo com as leis ambientais e a fiscalização muito rígida para evitar abusos.

 Quando se trata de poços artesianos também muito cuidado com nossos aqüíferos que devem ser muito bem controlados para não se causar danos irreparáveis para o futuro.


  


Infelizmente o interesse pelo capital, pelo lucro é maior do que pela preservação da vida, do meio ambiente. Diante disso se sacrifica a natureza, rios, florestas, matas, nascentes, ar, em função dos imensos lucros que as atividades do agronegócio podem produzir. É a supremacia do econômico em sacrifício da vida da natureza, das pessoas.


Nossas leis ambientais são muito ricas e atualizadas. São consideradas as melhores do mundo. Mas não são cumpridas nem fiscalizadas. Por isso os absurdos que se cometem.


Enquanto de nossa parte e da parte dos nossos dirigentes não houver uma verdadeira mudança de pensamento, de paradigma, de maneira de conceber a vida e a natureza, estaremos sujeitos a tantas destruições que coloca em risco o futuro de nosso planeta e a vida das futuras gerações.


 


Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM


Bispo Diocesano de Barra – BA


 


Por Juan Felix – Revista Barra Magazine




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