sexta-feira, 13 de maio de 2016

Política: Temer terá de fazer em 2 anos o que não foi feito em 20, diz Helio Gurovitz




Temer discurso aberta 01


É preciso dar ao presidente em exercício, Michel Temer, o tempo necessário para pôr em práticas as ideias econômicas e sociais expressas nos dois documentos que formam seu programa de governo, “A ponte para o futuro” e “A travessia social”. Discursos sempre embelezam a realidade, e o dele ontem não foi diferente. Sobram, contudo, motivos para duvidar de sua capacidade de executar em pouco mais de dois anos aquilo que não foi feito nas últimas duas décadas.


A sensatez das ideias econômicas do programa de Temer não deve obscurecer as dificuldades. Nenhuma mudança é indolor e, por mais que ele tenha o cuidado de falar em preservar “diretos adquiridos”, as ideias propostas nas leis trabalhistas e previdenciárias têm um alto custo político. São pequenas as chances de alguma reforma para valer passar pelo Congresso, ainda que doravante o governo conte com maioria folgada na Câmara e no Senado.


O urgente ajuste orçamentário e as privatizações são mais factíveis, assim como uma política de comércio exterior inteligente, voltada à abertura de mercados para os produtos brasileiros. A redução da máquina pública, já expressa no menor número de ministérios, e a adoção de métricas para avaliar a eficiência do setor públicos são absolutamente viáveis, tanto que elas já existem em vários estados.


Além do ajuste fiscal, ou até como parte dele, o desafio mais urgente será renegociar as dívidas de Estados e municípios. O contribuinte da União não pode arcar com os custos da irresponsabilidade fiscal e da gastança dos entes federativos. Mas estes também não podem ser apertados por condições de pagamento que tornam impraticável sua saúde financeira. Como em toda negociação difícil, é preciso bom senso.


No campo social, os principais desafios estão nos programas de saúde e educação. A criação do cartão do SUS, a revisão dos critérios do Bolsa Família e do Pronatec, a implantação de critérios de gestão mais profissionais, métricas e bonificação para os professores são ideias que podem facilmente se perder na execução. Não adianta adotar o discurso dos bons manuais de gestão. O mundo está cheio de empresas que, mesmo seguindo os melhores, fracassam na hora de pôr suas ideias em prática.


Haverá, enfim, as surpresas do dia a dia da política. A imprensa internacional chamou a atenção para o rosto “branco e masculino” de um ministério sem negros nem mulheres. Esta é uma evidente deficiência, no mínimo no plano da imagem. Mas o ponto mais fraco do ministério Temer é outro: 13 dos 23 ministros respondem a algum tipo de processo por improbidade ou irregularidade. Dez já foram de algum modo envolvidos na Operação Lava Jato –como, por sinal, o próprio presidente em exercício.


Um governo sem o PT continua sendo um governo com os políticos de Brasília. O PMDB é o mais fisiológico dos partidos, e a sensação diante da foto dos ministros no discurso de ontem (acima) era de um incômodo mal-estar diante de todos aqueles rostos conhecidos, muitos deles representando a face antiga de um país que já deveríamos ter deixado para trás.


Aqueles que dividem o mundo em “esquerda” e “direita” serão na certa levados por sentimentos antagônicos numa hora destas – euforia ou frustração, dependendo do lado. Para a enorme maioria, terá sido um alívio ver Dilma e o PT enfim longe do poder. Mas a questão não se esgota aí. O mundo, feliz ou infelizmente, é mais complexo que as cercas ideológicas.


Temer é o presidente mais velho a assumir o cargo, mas o Brasil é um país que ainda não saiu da adolescência, aquela fase que mistura a infância à idade adulta. Como já escrevi, “meio crianças, achamos que nosso pai Estado é onipotente; meio adultos, até sabemos o que é a responsabilidade, mas ainda desafiamos seus limites, apenas para bater com a cara no chão”. Discursos ou cartas de boas intenções não bastam para mudar isso.


Sair da adolescência significa ter um Estado que caiba no Orçamento, é certo. Mas também significa ter uma classe política e empresarial responsável, que não diga algo diante das câmaras para depois fazer o contrário a portas fechadas. Que leve a sério a insatisfação dos milhões que têm ido às ruas em protestos desde 2013. Que não nos venha dizer a verdade apenas depois do flagrante, na hora do acordo de leniência ou da delação premiada.


Fonte: Duas décadas em dois anos? | Blog Helio Gurovitz da Rede Globo




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